GRANDES PROPRIEDADES RURAIS EM SÃO PAULO E PERNAMBUCO NO FIM DO IMPÉRIO.
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Não foi por acaso que a Lei de Terras nasceu em 1850. Duas semanas antes de ela entrar em vigor, outra norma histórica havia sido assinada por dom Pedro II: a Lei Eusébio de Queirós. Foi a primeira das leis abolicionistas. Por meio dela, o Brasil, pressionado pela Grã-Bretanha, proibiu a entrada de novos escravos africanos no território nacional. Embarcações britânicas passaram a interceptar navios negreiros no Oceano Atlântico e confiscar a carga humana.
Os latifundiários entenderam que a escravidão, mais cedo ou mais tarde, chegaria ao fim e que os seus cafezais corriam o risco de ficar sem mão de obra. A Lei de Terras eliminaria esse risco. Uma vez tornadas ilegais a invasão e a ocupação da zona rural, tanto os ex-escravos quanto os imigrantes pobres europeus ficariam impedidos de ter suas próprias terras, ainda que pequenas, e naturalmente se transformariam em trabalhadores abundantes e baratos para os latifúndios.
Da mesma forma, os pequenos posseiros que fossem expulsos de seus antigos lotes, excluídos da anistia por não poderem pagar as taxas previstas na Lei de Terras, também reforçariam o contingente assalariado dos cafezais.
Com base nesse mesmo raciocínio, os senadores afirmaram que o governo deveria fixar altos preços para as terras públicas colocadas à venda. O Visconde de Abrantes opinou:
— O preço deve ser elevado para que qualquer proletário que só tenha a força do seu braço para trabalhar não se faça imediatamente proprietário comprando terras por vil preço. Ficando inibido de comprar terras, o trabalhador de necessidade tem de oferecer seu trabalho àquele que tiver capitais para as comprar e aproveitar. Assim consegue-se que proprietários e trabalhadores possam ajudar-se mutuamente.
O senador Vergueiro apontou outra vantagem que os latifundiários teriam com as terras públicas sendo comercializadas a preços exorbitantes:
— Suponhamos que é impossível vender terras por esse preço. Quem quer adquirir terras, não podendo estabelecer-se em terras devolutas, há de comprá-las. E então sobe o valor das propriedades [privadas]. É um benefício aos atuais proprietários. Os donos de extensas sesmarias vêm a ganhar muito com esta lei.
A Lei de Terras serviu de base para que latifundiários recorressem ao governo e até aos tribunais para ampliar suas propriedades. No lado oposto, sem dispor de informação, dinheiro ou influência, muitos sitiantes perderam suas terras. A anistia foi prorrogada várias vezes, beneficiando posseiros que invadiram terras públicas depois de 1850. Após a derrubada da Monarquia e a imposição da República, a elite agrária continuou no comando do país e a concentração fundiária, embora guiada por novas regras, pouco mudou.
Estudiosos da questão dizem que o histórico predomínio do latifúndio levou ao surgimento dos trabalhadores rurais sem terra e tornou rotineira a violência no campo. Também condenou a agricultura brasileira a um longo período de atraso técnico. A vastidão das propriedades permitiu que os fazendeiros mudassem suas plantações de lugar sempre que determinada terra se esgotava, avançando sobre novas fronteiras agrícolas e derrubando florestas. Caso os lotes fossem pequenos, eles teriam sido forçados a investir em novas tecnologias para aproveitá-los ao máximo.
— A sociedade e o Estado têm uma dívida histórica com camponeses pobres, indígenas, ex-escravos, descendentes de escravos — diz o historiador Marcio Both. — A concentração fundiária é um problema social, político e econômico que passa por toda a história do Brasil, desde a Colônia até o momento presente. É certo que, ao longo desse período, houve rupturas, como a Lei de Terras, de 1850, mas sempre com o fito de garantir a permanência daquilo que é estrutural.
Matéria originalmente publicada na seção Arquivo S do Portal Senado Notícias, resultado de uma parceria entre a Agência Senado e o Arquivo do Senado.
Fonte: Matéria originalmente publicada na seção Arquivo S do Portal Senado Notícias, resultado de uma parceria entre a Agência Senado e o Arquivo do Senado.